Não é cor-de-rosa - trecho

Isabel sentou-se na cama de casal que dividia com a mãe e pegou a caneca com as mãos trêmulas de frio. Alex sentou-se na cama e ficou olhando para a irmã. Tão jovem e tão frágil, e já exposta às intempéries da vida. Como irmão mais velho, sentia a obrigação de cuidar dela, e protegê-la de tudo. Mas o trabalho na fábrica... Não podia proteger nem a si mesmo, como cuidar dela?
- A vida é muito injusta... -ele pensou alto.
- Por quê?! -a mãe se surpreendeu com o comentário.
- Só os ricos deviam ficar doentes. Não temos dinheiro para pagar um médico e não podemos perder um dia de trabalho na fila de um hospital público.
- Ai, Alex, você fala como se eu estivesse morrendo! É só uma tosse!
- E febre.
- É porque o corpo está reagindo.
- Espero que sim.
Isabel terminou o chá, deitou-se e cobriu-se bem. A mãe deitou-se também. Alex apagou a luz, deixou a caneca dentro da pia e voltou para seu quarto.
Isabel não teve mais febre o resto da noite e pôde trabalhar normalmente no dia seguinte, pois já se acostumara à tosse. Mas à noite, a febre voltou. Outra caneca de chá e cobertor e ela dormiu até o dia seguinte e acordou melhor. Era sábado. A mãe ficava em casa - era o dia de fazer a faxina, lavar e passar roupa, comprar mantimentos. Alex e Isabel trabalhavam até uma da tarde e voltaram para casa para ajudar a mãe com as tarefas domésticas. Nesse sábado, Alex levou Isabel até a estação de trem mas não entrou: ía procurar algum serviço extra para a tarde e o dia seguinte, que lhe rendesse dinheiro para levar a irmã ao médico. Somente à noite, Alex chegou em casa.
- E então, filho, o que conseguiu?
- Nada.
- Almoçou?
- Comi um pão com café.
- Imaginei. Por isso estou fazendo uma boa sopa de legumes com carne para vocês recuperarem as forças.
- Amanhã, depois da missa, vou tentar de novo.
- Sim, tenta. Deus está vendo seu esforço e vai recompensá-lo na hora certa.
Mas a hora certa parecia não ser o dia seguinte, porque Alex andou todo o bairro e alguns bairros vizinhos e só encontrou portas fechadas e palavras negativas.
Na outra semana, Isabel teve febre todas as noites. A mãe desdobrava-se em chás e xaropes mas nada parecia funcionar. No sábado à tarde, Alex novamente procurou trabalho, sem encontrar. No domingo, a família foi à missa cedo e voltou para casa. Depois do almoço, Isabel foi dormir, pois estava cansada das noites mal dormidas da semana. Alex e a mãe ficaram na sala.
- Ela vai acabar tendo que ir para o hospital -a mãe concluiu, preocupada.
- Fraca do jeito que está, se ela entrar no hospital, é capaz de não sair mais.
- O que nós vamos fazer, Alex?
- Se eu tivesse dinheiro, ela não estaria assim. Se eu tivesse condições, ela não teria chegado ao ponto que chegou.
- Revoltar-se não vai resolver nada.
- É aquela droga de fábrica. Desde que começou a trabalhar lá, ela está assim. Aquele galpão úmido e abafado, as máquinas quentes, e no final do dia a gente sai no vento frio. E quem agüenta trabalhar de pé dez horas por dia? Isso não é vida, mãe.
- O que podemos fazer, Alex?
- A fábrica deixou-a doente; pois a fábrica vai pagar o tratamento dela -ele se levantou, decidido.
- O que você vai fazer? -ela se levantou também.
- Vou à casa daquele burguês sovina exigir que ele pague um médico para Isabel.
Alex não esperou que a mãe reagisse: saiu de casa. A mãe chamou-o de volta mas ele não atendeu.
- Ah, meu Deus, que ainda vai perder o emprego! -ela pensou alto, vendo-o já no fim da rua- Como eu vou sustentar a casa sozinha?... Que Deus te acompanhe, meu filho, e te ilumine.

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